Preconceito somente se vence com educação, uma vez que é sabido que ele brota no solo da mais cruel e radical ignorância
Por Robson Mello*
As mortes por assassinato entre os jovens negros no país são, proporcionalmente, duas vezes e meia maior do que entre os jovens brancos. Em 2010, o índice de mortes violentas de jovens negros foi de 72, para cada 100 mil habitantes; enquanto entre os jovens brancos foi de 28,3 por 100 mil habitantes. A evolução do índice em oito anos também foi desfavorável para o jovem negro. Na comparação com os números de 2002, a taxa de homicídio de jovens brancos caiu (era 40,6 por 100 mil habitantes). Já entre os jovens negros o índice subiu (era 69,6 por 100 mil habitantes).
- Taxa de homicídios de negros cresce 5,6% em oito anos, enquanto a de brancos cai 24,8%;
- Negros gastam mais tempo para se deslocar de casa para o trabalho, aponta IBGE;
- Criação de cotas para negros no serviço público está em fase inicial de discussão, diz ministra; - Mortalidade de jovens negros é tragédia nacional, dizem especialistas;
- Negros são os que mais sofrem com o desemprego no Brasil, diz Dieese;
- Mulheres negras são a maioria entre jovens que não trabalham nem estudam.
Os dados fazem parte do “Mapa da Violência 2012: A Cor dos Homicídios no Brasil”, divulgado pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (Cebela), pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) e pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir). De acordo com o professor Julio Jacobo, responsável pelo estudo, os dados são “alarmantes” e representam uma “pandemia de mortes de jovens negros”. O professor enfatizou que as taxas de assassinato entre a população negra no Brasil são superiores às de muitas regiões que enfrentam conflitos armados. Jacobo também comparou a situação brasileira à de países desenvolvidos, como Alemanha, Holanda, França, Polônia e Inglaterra, onde a taxa de homicídio é 0,5 jovem para cada 100 mil habitantes.
VISIBILIDADE
Poucos são aqueles que realmente compreendem o que está por trás das políticas públicas federais para a promoção da visibilidade de algumas etnias, tais como: negra, indígena e asiática. Aqui, a primeira deste rol será o objetivo deste meu artigo. Muito se fala e se discute sobre o tema do preconceito étnico voltado aos negros. Alguns chegam inclusive dizer que ele não existe, e que, quanto mais ele for abordado, mais será também reforçado. Puro engano. O assunto tem de ser levantado, sim! A partir dos educadores, nas famílias, por meio das políticas públicas em geral em suas ações afirmativas, entre tantas outras estratégias para que este nefasto dano possa, ao menos, ser contido.
Uma coisa que todos sabem, ou deveriam saber: preconceito somente se vence com educação, uma vez que é sabido que ele brota no solo da mais cruel e radical ignorância, que é passada consciente e/ou inconscientemente através de comportamentos manifestos e falas junto aos filhos, entre outros, num processo educacional que se constrói por muitos anos. Mal nos damos conta do preconceito que jaz conosco. Os muitos ditos e expressões populares – todas na boca do povo! – nos dão inúmeros exemplos desta realidade: quando se quer falar de algo ruim se diz “teu passado é negro”. Tudo bem, a etnia é negra, e preta é a cor dos objetos. Mas também encontramos: “A coisa está preta”, “A situação está preta”, existem “dois tipos de inveja” – a branca e a preta. A branca é a boa; enquanto que a preta é a ruim.
POR TRÁS DA BRINCADEIRA
A cultura milenar e ancestral nos ensinou que o negro e o preto são lugares ideais de tudo aquilo que ruim; o negro e o preto são sempre lugares do mal (de inimagináveis formas!), e por aí vão os inúmeros exemplos! Por trás da brincadeira, sempre há uma verdade subjacente – que, muitas vezes o sujeito sequer se dá conta, mas que, de um modo outro, tal fala vai deixando marcas à cultura. Também é claro que, aquilo que tanto parece gerar repulsa, mal-estar e aversão perante o outro, no fundo, muitas vezes, guarda forte marca de intenso desejo no mais íntimo do ser – e a história sobre os comportamentos no Brasil Colônia muito atestam isto! Na atualidade vemos, muitas vezes, inúmeros exemplos das muitas etnias presentes nas muitas peças publicitárias pelo país afora (claro, as mais atuais!). Nunca vimos tanto! A imagem de negros, asiáticos e sujeitos vindos das populações indígenas nunca apareceu tanto na mídia. Se puxar um pouco mais pela memória, vai lembrar que nos livros didáticos do passado sequer existiam estas mesmas imagens. Isso também se dava nas latas de leite humano, nas caixas de brinquedos, nos outdoors diversos, nas campanhas publicitárias em geral, nos personagens das novelas televisivas e nas imagens publicizadas de modo geral.
COTIDIANO
Hoje, tudo está bem diferente (ainda bem!): vemos negros, brancos, asiáticos e sujeitos de etnia indígena nas imagens e na mídia de modo geral no cotidiano do nosso país. Mas os dados estatísticos acima nos mostram que muito ainda há para ser feito. Bem verdade que isso foi motivado pelo nosso recém-criado Estatuto da Igualdade Racial, alavancado pelas políticas de afirmação do governo atual (e anterior. Sem parcialidade político-partidária!). A verdade é que o Brasil tem uma história de escravidão (negros trazidos da África) de aproximadamente 400 anos. E esta experiência ficou marcada no imaginário popular brasileiro – a marca da vivência do horror que, inevitavelmente, respinga sobre um pensar e agir sobre e para com a população negra. Há, sim, uma dívida dos povos português e brasileiro em função de tudo o que foi feito com os negros durante este triste período da História Brasileira, e, também, em virtude de tudo o que a partir disso ficou marcado, até hoje, no imaginário dos povos no Brasil e mundo afora.
A política das cotas tem por objetivo tentar reparar um pouco disto, desta desigualdade e violência enfurecidas, fazendo com que a partir do incentivo à educação esta situação possa mudar, ao menos um pouco. Longe de se tratar de dizer se se é mais competente, mais inteligente, ou não, à disputa de uma vaga universitária em relação às outras etnias. Não é disto que aqui se trata! Uma saída: revisão e reconhecimento, sinceros e espontâneos, do preconceito étnico que cada um traz consigo; cultura e educação a todos, sem exceção, e, não menos, fortalecimento ainda maior das políticas que geram afirmação, visibilidade e respeito às diversas etnias e, por conseguinte, geram um combate efetivo contra as múltiplas violências.
*Robson Mello é psicanalista em São Bento do Sul