Curso de Cerveja Artesanal foi realizado em São Bento do Sul, “um dos berços” da bebida no Brasil
A milenar história da cerveja tem mais um capítulo escrito. Desta vez em São Bento do Sul, município que já contou com mais de duas dezenas de cervejarias, as primeiras delas com início de atividade ainda no século XIX, de propriedade de Josef Linzmeyer e Otto Bernd Krause, sendo a mais recente a Alpenbier, que também já encerrou suas atividades de fabricação – em 2008. No sábado passado, 21 de julho, um curso de cerveja artesanal realizado em um restaurante no bairro Brasília fez o espírito cervejeiro são-bentense reviver. Iniciativa do Instituto Joinvilense da Cerveja, ministrado por Luis Kohlbach e André Tromm, o curso beneficiou dezessete pessoas, não só de São Bento mas de outros municípios também. A programação foi aberta por Dorval Campos, idealizador do instituto.
Ele contou, inicialmente, que está-se produzindo um livro sobre a história da bebida – e os dados existentes até agora demonstram que a cerveja está bastante ligada a São Bento do Sul e região. “Muitos dos nossos antepassados criaram essa cultura”, disse. Contudo, para tal produção, muitas vezes eram utilizados ingredientes como fermento de pão e lúpulo comprado em farmácias – enquanto atualmente existem produtos específicos para tal. Após a divulgação de fotos do curso pelo Facebook, Dorval comentou que São Bento do Sul é “um dos berços da cerveja artesanal no Brasil”.
Ao todo, “são conhecidas mais de sete mil receitas de cerveja”, explicou Dorval. A receita ensinada em São Bento do Sul trata-se da “forma mais básica de fazer cerveja”, conforme suas palavras. Dorval comentou que a produção caseira de cerveja só sai errada se não forem obedecidos “detalhes técnicos”, como, por exemplo, ingredientes adequados, tempos e temperaturas estabelecidos. “O mais importante é a questão da higiene”, frisou. “Qualquer corpo estranho, por mais microscópico que seja, vai dar problema na cerveja”. O instrutor Luis Kohlbach disse que o processo de produção “é trabalhoso, mas simples”. A produção em São Bento começou pouco depois das 9:30. Tudo iniciou com o malte, que nada mais é do que o grão de cevada, umedecido e germinado em estufas sob temperatura controlada até atingir certo grau de germinação. Para a receita ensinada em São Bento, foi utilizado um pacote de 5 kg de malte, que passaram por um moedor de cereais.
EXTRAÇÃO DE MALTOSE EM TEMPERATURA CONTROLADA
Em um panelão de alumínio, foram aquecidos 15 litros de água mineral até a temperatura de 68º. Adicionado o malte, o mesmo permaneceu nesta temperatura durante 1 hora. A temperatura, no caso, foi controlada com um termômetro durante este período, sendo necessário ou ligar ou desligar o fogareiro para controlá-la. Este processo faz com que seja extraída a maltose do ingrediente. Se a temperatura for baixa demais, a extração perde eficiência. Se for muito alta, o líquido vira uma papa. “Tem que homogeinizar o calor ao mexer (a mistura)”, explicou o outro instrutor, André Tromm. O líquido resultante retirado deste processo foi novamente levado à panela – por três ou quatro vezes –, para passar por uma espécie de filtro natural, formado pelo bagaço do malte (que pode ser reaproveitado para fazer o malzbrot, ou pão de malte).
Essa etapa de “filtragem” é chamada de recirculação. O “líquido precioso” formado chama-se mosto, que então foi elevado à temperatura de 78º, para interrupção da extração da maltose. A ele são acrescentados mais 15 litros de água, também aquecidos a 78º, mas em outra panela. Assim que começou a ferver, o mosto recebeu 15 gramas de lúpulo, responsável pelo amargor, pelo sabor e pelo aroma da bebida. A próxima etapa consistiu em deixá-lo fervendo vigorosamente durante 1 hora, com a tampa aberta. Pouco antes do término deste tempo, foram acrescentados mais 10 gramas de lúpulo.
Concluída esta etapa, os participantes deram uma pausa para o almoço. À tarde, o mosto foi para o resfriamento, “uma das etapas mais críticas do processo de produção”, conforme a apostila do curso entregue aos participantes, que pagaram R$ 140,00 para passar pelo treinamento. “A partir de agora, a atenção e o cuidado devem ser redobrados, pois um erro pode ser fatal para a sua cerveja”, consta do material. Tanto cuidado deve existir devido ao risco de contaminação, pois, com o mosto resfriado (através de um chiller de imersão/conversor de temperatura), a grande quantidade de açúcares presente nele torna-se um excelente meio de cultura para as leveduras que serão adicionadas para a fermentação. Porém, além do fermento em si, existem também as chamadas “leveduras selvagens”, presentes inclusive no ar – daí o risco de contaminação.
FERMENTO, O CONSUMIDOR DE AÇÚCARES
O mosto, que estava bastante quente – afinal, ferveu por uma hora seguida –, teve sua temperatura baixada a 25º com o resfriamento. Repassado a um novo recipiente (o fermentador), foi aerado (foi introduzido oxigênio no líquido), recebeu o fermento cervejeiro e foi protegido com uma tampa bem selada e com um borbulhador com álcool e iodo (que inibem a entrada de bactérias). O processo de fermentação faz com que o fermento consuma os açúcares presentes no mosto, liberando subprodutos como álcool e gás carbônico, além de componentes que incrementam o sabor da cerveja.
Após ser resfriado e antes de receber o fermento (ou levedura), contudo, o mosto (uma pequena parte) foi retirado para ter sua Densidade Original medida – através de um densímetro. O líquido então permanece durante sete dias em um fermentador. Depois, passa para um novo fermentador, durante mais sete dias. Após a fermentação, novamente o líquido será avaliado com o densímetro, desta vez para se descobrir a sua Densidade Final. Tais dados, aplicados a determinadas fórmulas já estabelecidas, servem para avaliar a eficiência da extração de açúcares do malte e para estimar o percentual de álcool da bebida. No caso da receita aplicada em São Bento do Sul, a cerveja ficaria com 5,5% de teor alcoólico.
Terminada a fermentação, vem o que tecnicamente se chama de primming. Para cada litro de cerveja, são utilizados 10 gramas de açúcar diluídos em água – tal mistura, proporcionalmente à quantidade, deve ser colocada no fundo da garrafa antes do engarrafamento, servindo para liberação de gás carbônico, por exemplo. Porém, o cervejeiro deve-se certificar de que a fermentação foi, de fato, encerrada. Caso contrário, a garrafa de cerveja já tampada por virar uma bomba e explodir. Encerrado o engarrafamento, a cerveja deve ficar em lugar escuro, de pé, por mais um período de sete a dez dias. Pronto! É só colocar para gelar e degustar a cerveja caseira.
CONFRATERNIZAÇÃO E CURIOSIDADES
O instrutor Luis Kohlbach levou ao treinamento realizado em São Bento do Sul uma cerveja de sua própria produção, com teor alcoólico de 7º, sendo esta bastante apreciada pelos participantes do curso. A cerveja foi denominada por ele como “Another Blond on the Wall”, em homenagem à banda “Pink Floyd”. Outro produtor, de Mafra, também apresentou tipos de cerveja para degustação no local. Ao final do curso, entre fotos, copos cheios e muita conversa – além da entrega de certificados e sorteio de brindes –, foram repassadas mais algumas informações aos participantes. Por exemplo: a famosa Lei da Pureza da Cerveja alemã (a Reinheitsgebot, de 1516!) começou a ser contestada na Bélgica, com a adição de misturas. “Praticamente todo o mundo ocidental adotou a escola belga”, ressaltou Dorval, para quem “a Lei da Pureza, como todas as leis, teve um cunho político”. Dorval também fez questão de registrar que “na produção de cerveja artesanal não há verdade absoluta” e que “ninguém vai virar um Bill Gates da cerveja da noite para o dia”.
A apostila utilizada no curso também tem uma curiosidade. Foi produzida por Diogo Henrique Züge e Ivan Guilherme Steinbach, também de Joinville. Eles cresceram ouvindo dos pais que a melhor cerveja do Brasil era feita na própria cidade, na antiga fábrica da Antarctica. Quando adultos, resolveram resgatar a tradição de fazer cerveja em casa e decidiram se aventurar neste hobby. Após algumas experiências desastradas e equipamentos inapropriados (que levou a cerveja a ser chamada de “Gräbenwasser”, ou “água de valeta”), em 2007 decidiram investir em equipamentos melhores e passaram a levar a coisa mais a sério. À medida que estudavam sobre o assunto, foram melhorando as produções. Os bons resultados obtidos foram comprovados no II Concurso Mestre Cervejeiro Eisenbahn, que eles venceram em 2008 – e a receita passou a ser produzida pela cervejaria. (Por Elvis Lozeiko)