Especial Saúde Mental (Parte 5 - Final) - Centro de recuperação aberto mês passado no bairro Caixa D’água gerou polêmica entre a população local
Em Guaramirim, a abertura de uma comunidade terapêutica deixou receosos alguns moradores do bairro Caixa d’Água, que pedem esclarecimentos. Enquanto isso, em Jaraguá, na terça-feira foi oficializada a constituição da Associação Catarinense de Comunidades Terapêuticas (ACCT). O esclarecimento sobre a situação guaramiriense e a entrevista com o presidente da ACCT, Arsanjo Colaço, encerram a nossa série especial sobre a saúde mental.
A abertura de uma comunidade terapêutica em Guuaramirim está gerando polêmica. Instalada no dia 6 de fevereiro no bairro Caixa D’água, a Comunidade Terapêutica Campos de Luz deixou a população da região receosa. Segundo a vice-presidente da Associação de Moradores do bairro, Marili Haussmann, as pessoas desconhecem o centro de tratamento. “Sabemos que esse tipo de serviço é necessário, o que nos preocupa é a nossa segurança e o tratamento dos pacientes”, afirma.
O aposentado Leonir Borgonha, 60 anos, afirma estar um tanto assustado. “Sabemos que as pessoas que estão lá não são ruins, e que estão buscando melhorar, mas podem agir de forma inesperada”, teme. Além disso, de acordo com Borgonha, a entidade teria constrangido os pacientes durante uma das reuniões com os moradores. “Eles levaram os internos para a reunião, enquanto estávamos todos preocupados com a situação. Eles deveriam ter direito à privacidade, e isso não foi respeitado”, conta. A população local entregou um abaixo assinado com 160 assinaturas à Câmara dos Vereadores.
Mas segundo o conselheiro terapêutico da Campos de Luz, Ricardo Andrade Bahiense, o que está acontecendo é resultado da falta de informação. “As pessoas tem aquela imagem preconceituosa do drogado como um criminoso, e da comunidade como um presídio, mas não é o caso”, conta. Além disso, nega que os internos tenham sido expostos desnecessariamente. “São pacientes que já estavam em processo de reinserção, que já tinham vindo de outras comunidades, já estão voltando à sociedade”, explica, ressaltando que a reação é natural. “Se tem um estigma muito grande quanto ao dependente, mas eles são também fruto deste medo”.
Prefeitura considera convênio com entidade
Segundo o secretário de Saúde da Prefeitura, João Deniz Vick, embora a Comunidade Terapêutica Campos de Luz ainda esteja em um estágio inicial de implantação, e ainda esteja se adequando dentro dos termos exigidos para um convênio com o SUS (Sistema Único de Saúde), o município já está encaminhando a tramitação para regularizar o funcionamento.
“Ainda é algo novo para nós, mas estamos acompanhando pela Vigilância Sanitária, e buscando a regulamentação do atendimento”, explica. Atualmente, o município mantém convênios com duas comunidades – a Vida Nova, em Jaraguá do Sul, e a Associação Beneficente São Francisco de Assis, de São Bento do Sul.
A entidade cobra mensalmente R$ 500 por paciente, mas segundo Bahiense, os custos são maiores. “Temos obras a caminho, gastos com ração e alimentação, equipamento, temos uma equipe técnica completa, e isso sai caro”, diz. Além do conselheiro, a entidade conta também com dois psicólogos.
Segundo o vereador Mateus Safanelli (PMDB), que mediou uma conversa entre moradores e os responsáveis pela comunidade na Câmara mês passado, o custo total por paciente ficaria em torno de R$ 1.500 por mês. “Isso conforme as estimativas que nos passaram, com base em outras comunidades” , alega, notando que não foi lhe passado ainda uma planilha de custos do tratamento.
“Vamos ficar de olho”, diz vereador
Morador do bairro Caixa d’Agua, o vereador se diz favorável à presença da comunidade, mesmo com dúvidas quanto ao serviço. “Eu não sei realmente como isso vai funcionar, só que é necessário que alguém cuide destas pessoas”, conta. Porém para acalmar os temores da população, afirma que o local vai ser vigiado. “Vamos ficar de olho e tomar todo o cuidado para evitar abusos ou alguma ameaça a comunidade”.
Entrevista com Arsanjo Colaço
Presidente da Associação Catarinense das Comunidades Terapêuticas e presidente da Vida Nova de Jaraguá do Sul, Arsanjo Colaço concedeu entrevista ao OCP para falar sobre o que foi abordado na série especial saúde mental, iniciada na terça-feira, dia 27 de fevereiro. Acompanhe:
O Correio do Povo: Qual é o trabalho desenvolvido pela Associação Catarinense das Comunidades Terapêuticas?
Arsanjo Colaço: A ACCT tem como princípio unir as comunidades do Estado, fortalecer e divulgar ainda mais esse trabalho tão brilhantemente feito por essas entidades, e buscar mais representatividade junto ao governo federal, estadual e dos municípios, onde elas estão. A palavra de ordem é união.
OCP: Quais são os serviços oferecidos atualmente pelas comunidades terapêuticas?
AC: O serviço preponderante nas comunidades é o tratamento no sistema voluntário para dependência química, pelo período médio de seis a nove meses. Aí logicamente, elas trabalham também com prevenção, atendimento a família, com reinserção social. E outros serviços agregados a esse serviço principal.
OCP: A demanda por comunidades tem aumentado? Por quê?
AC: Bastante, infelizmente o consumo de drogas no nosso Estado, em comparação com os índices nacionais é maior. Nós consumimos mais drogas do que a média nacional. Talvez seja porque somos um Estado rico, e a droga vai atrás do dinheiro – isso é um fato. E com isso infelizmente temos mais dependentes químicos, mais doentes.
OCP: Existem estudos quanto à taxa de recuperação dos internos?
AC: Isso tudo nós vamos começar a levantar. Junto com a associação e junto com a Febract (Federação Brasileira das Comunidades Terapêuticas) vamos buscar estatísticas, buscar levantamentos. Inclusive, a Cruz Azul está sendo responsável para o levantamento das comunidades dos três Estados do Sul, trabalho que foi determinado pelo governo federal em 2011.
OCP: E quanto à reincidência? É comum o retorno dos pacientes?
AC: Isso faz parte do processo, infelizmente. A pessoa pode ter episódios de recaída. Logicamente o objetivo das comunidades é estar monitorando a pessoa para se caso isso venha a acontecer, o paciente seja resgatado e tenha uma nova opção de tratamento.
OCP: Quanto às portarias emitidas pelo Ministério da Saúde no final dejaneiro, as comunidades têm buscado a adequação?
AC: Nós convidamos a coordenadora de Saúde Mental do Estado justamente para ajudar a orientar as comunidades para se adequarem as portarias, assim como a determinação quanto às condições físicas dos dormitórios, tudo isso a ACCT vai assessorar.
OCP: Quantas comunidades existem atualmente em Jaraguá do Sul? E no Estado?
AC: Em Jaraguá do Sul temos atualmente três comunidades terapêuticas, e em todo Estado temos estimados cerca de 100 comunidades.
OCP: As comunidades dispõem de profissionais da saúde em tempo integral?
AC: Hoje não. Hoje nós temos mantido o funcionamento com boa vontade, com recursos de doações. O objetivo é que com o financiamento do governo federal a gente amplie e melhore ainda mais o atendimento.
OCP: O modelo de internação das comunidades é diretamente oposto ao seguido nos CAPS, isso causa conflitos?
AC: As pessoas são diferentes e precisam de tratamentos diferentes, o CAPS é ambulatorial, comunidade é voluntária, clínica normalmente é involuntária. Cada pessoa tem suas necessidades, e vai se encaixar em um tipo de serviço.
OCP: O modelo de internação usado pelas comunidades tem sido alvo de críticas pelo Ministério e pelo Conselho Federal de Psicologia, por isolar o paciente e retirá-lo do seu círculo social. Essas críticas são fundamentadas?
AC: As pessoas são diferentes e os tratamentos têm de ser diferentes. Tem aqueles que vão fazer o tratamento de forma ambulatorial, e não precisam se desligar. Mas tem aqueles que precisam sair do seu meio para conseguir libertar-se, livrar-se, enfim, ficar abstinente das drogas. Mas o modelo tem dado certo.